Não dá para pensar em futebol sem negros em campo, mas nem sempre foi assim. Nos primórdios, esse esporte era só para os membros da elite branca. Isso até Miguel do Carmo entrar em campo para defender a Ponte Preta e mudar o jogo para sempre. Mudou para muito melhor, como mostra o livro ilustrado "Antes do Pelé veio o Migué", que será lançado em Campinas em 8 de abril de 2025, uma terça-feira, a partir das 19h, no Candreva Bar.
Em tempos de racismo declarado em estádios da América do Sul e especialmente na Espanha, com o vergonhoso tratamento dado a Vinícius Junior, surgiu a ideia deste livro, que veio para resgatar a memória de Migué e, especialmente, para conscientizar as novas gerações de que a cor da pele não indica diferenças genéticas. O foco especial é no papel fundamental dos negros na construção desse esporte e, ao longo dos capítulos, Edu Cerioni aborda episódios históricos, culturais e sociais que ressaltam as contribuições dos atletas negros e suas experiências em um contexto marcado pelo racismo e pela discriminação.
“Ao tratar de questões tão complexas e sensíveis, é importante evitar a perpetuação de estereótipos ou a reprodução de preconceitos, por isso busquei retratar de maneira cuidadosa e responsável o impacto das relações raciais no futebol, sempre contextualizando os eventos e as formas de expressão de acordo com as épocas retratadas”, avisa o autor, que é branco. “A obra não pretende reduzir o sucesso de atletas negros a uma questão de cor de pele ou de aptidão natural, reconhecendo que o talento e as conquistas no futebol, assim como em qualquer outra esfera, são multifacetados e não devem ser interpretados exclusivamente pela ótica da raça”, completa.
Migué e a Ponte Preta
O pontapé inicial do livro tem como data 1900, quando Migué ajudou a criar a Associação Atlética Ponte Preta, da qual foi o primeiro center-half. A bola foi passada por ele, redondinha, para outros craques negros que brilharam com a camisa da seleção brasileira, como Leônidas da Silva, Romário, Cafu, e chegou aos pés de Estêvão e Endrick. A narrativa foca na representação dos personagens negros dentro de campo, embora eles tenham papéis de destaque que vão além das quatro linhas.
Escrito em linguagem simples, "Antes do Pelé veio o Migué" traz ilustrações de Ricardo Lacraia Colombera para que a garotada conheça a história e seus pais e avós relembrem os feitos de negros que não precisaram alisar os cabelos ou usar pó-de-arroz no rosto para disfarçar a cor da pele. Migué é o pioneiro naquele que os negros ajudaram a transformar no país do futebol, que revelou o Rei Pelé, o único a vencer três vezes, como jogador, uma Copa do Mundo.
A lista é grande de nomes históricos nesse esporte e que estão escalados pelo autor, muitos com detalhes pitorescos no caminho ao sucesso, feras como Didi Folha Seca, Furacão Jairzinho, Dadá Maravilha... Mas nem tudo são glórias, porque o livro também toca na ferida que foi a Copa do Mundo de 1950. "No Brasil, a pena máxima para qualquer crime é de 30 anos, só que não vale com a gente. A pena imposta a nós, os jogadores daquela seleção, já ultrapassou todos os prazos e a tal da anistia não chega nunca", disse ao autor o goleiro campineiro Moacyr Barbosa, em encontro que tiveram em 1998, quando Edu Cerioni trabalhava como editor de Esportes do "Correio Popular".
Migué trabalhou como segundo fiscal de linha da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Nasceu em 1885, em Jundiaí (SP), portanto, antes da Lei Áurea, e morreu em 1932. Ele dá nome a uma rua de Campinas, nas proximidades do Estádio Moisés Lucarelli. Em 2017, em comemoração ao aniversário da Ponte Preta, ganhou selo comemorativo do correio.