A publicação da Lei nº 14.793/2024, tão aguardada em diversos setores produtivos por prorrogar a desoneração da folha de pagamento, acabou por incluir um ajuste fiscal que impacta negativamente o contribuinte. O “cavalo de Troia”, incluído no texto, altera de forma arbitrária e inconstitucional a sistemática de remuneração dos depósitos judiciais.
A nova legislação, em vigor desde 16 de setembro, prorroga a desoneração, mas muda a correção dos depósitos judiciais de tributos federais ao substituir a Selic, que prevê juros e correção monetária, pelo IPCA, que reflete apenas a inflação.
Antes de avançarmos sobre os impactos da nova lei, é importante ressaltar que há mais de duas décadas, desde a promulgação da Lei nº 9.703/1998, esses depósitos são atualizados pela Selic. A substituição repentina deste índice pelo IPCA afeta o princípio da segurança jurídica e da confiança legítima.
A partir de agora, com a substituição da correção dos depósitos judiciais pelo IPCA, é possível que no caso de uma discussão legal, em que o contribuinte deposita os valores para ter suspensa a exigibilidade do débito, o final da ação pode culminar em uma dívida com o Fisco.
Isso se explica quando contrapomos Selic e IPCA. Enquanto o Fisco cobra o tributo com a incidência da Selic, acumulada nos últimos doze meses em 10,70%, o contribuinte é corrigido pelo IPCA, com o acumulado em 4,24% para o mesmo período. Sendo assim, sempre haverá um saldo devedor a ser quitado.
Como o IPCA reflete somente a inflação, ocorrerá notório desalinhamento entre o que o contribuinte depositou e o que lhe será restituído. Não temos como não observar neste ponto um confisco indireto, que fere o direito de propriedade, algo previsto no artigo 5º, XXII, da Constituição.
A intenção do contribuinte com o depósito judicial é evitar problemas no presente, pela proibição de cobranças, e, também, no futuro, para que não tenha desembolsos adicionais. No entanto, a mudança de regime de correção pode ser entendida como uma forma de promover ajuste fiscal à custa dos contribuintes, o que poderia ser compreendido como violação ao princípio da moralidade administrativa, que a Constituição define em seu artigo 37.
Em síntese, a mudança que veio juntamente com a legislação tão esperada pelo contribuinte pressupõe violações à segurança jurídica, ao direito de propriedade, à isonomia e à moralidade administrativa.
Para o contribuinte brasileiro, a mensagem do “Cavalo de Troia”, embutido na Lei nº 14.793/2024, pode ser traduzida desta forma: “Prorrogo o benefício da desoneração, mas não deixo de reonerar o pagamento”.
*Maiara Rozalem é advogada especializada em Direito Tributário da Coppi Advogados Associados.
Mín. 16° Máx. 34°