Após meses de paralisia política, da ascensão da extrema direita e de uma vitória surpreendente da esquerda, o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou nesta quinta-feira (5) ter escolhido o conservador Michel Barnier para ser o novo primeiro-ministro do país.
Com a nomeação, Macron, que sofreu uma dura derrota política em junho, quando seu partido teve um desempenho ruim nas eleições para o Parlamento Europeu, conseguiu driblar tanto a extrema direita como a esquerda do país e fez uma manobra arriscada para seguir governando.
Isso porque Barnier, político de centro-direita, é aliado de Macron — na França , presidente e primeiro-ministro governam em conjunto, mas não precisam, necessariamente, ser aliados, já que cada cargo é eleito em eleições diferentes.
Se o premiê fosse um opositor ao presidente, no entanto, a França entraria o chamado governo de coabitação, e Macron acabaria perdendo autonomia para governar, já que, nesse caso, seu cargo ficaria limitado a poucas funções dentro da França.
Por isso, o presidente francês, que já havia convocado eleições antecipadas para evitar ter de renunciar após o resultado ruim nas eleições europeias, optou por nomear um aliado.
Veterano na política francesa, Barnier, que já foi por quatro vezes ministro da França e chegou a tentar a presidência do país, se tornará o premiê mais velho da história do país europeu. Aos 73 anos, ele sucede Gabriel Attal, que foi o mais novo da história no mesmo cargo.
A França havia ido às urnas em junho para escolher um novo premiê em eleições antecipadas pelo próprio Macron após o fracasso eleitoral de seu partido no pleito do Parlamento Europeu. Na votação, que elege deputados de todos os países da União Europeia para constituir o Parlamento Europeu, a extrema direita francesa saiu vencedora.
Na ocasião, um bloco formado por partidos da esquerda saiu vencedor, mas sem alcançar os votos necessários para formar maioria no Parlamento e nomear um primeiro-ministro. As negociações para a formação dessa maioria ficaram paralisadas por conta da realização das Olimpíadas em Paris.
Na retomada das conversas, em agosto, a esquerda sugeriu um nome para ocupar o cargo, mas Macron rejeitou a proposta e decidiu escolher um nome à revelia dos partidos com os quais negociava — o que é permitido por lei na França.
Mas, apesar de estar amparada pela Legislação francesa, a decisão de Macron pode ter um alto custo político. Ao escolher um próprio primeiro-ministro, o presidente pode ser alvo de uma moção de censura no Parlamento. Caso seja reprovado, ele tem de deixar o governo.
A aposta de Macron depende agora do Parlamento, que terá maioria da esquerda — mesmo sem ter alcançado os 289 assentos necessários para formar governo, a esquerda ainda será maioria, com 182 assentos (veja quadro abaixo).
O bloco liderado pelo presidente francês, o Juntos, virou a segunda força, com 168 cadeiras, mas terá de negociar tanto com os esquerdistas quanto com a extrema direita, o terceiro grupo com mais assentos no Parlamento.
O Legislativo francês estava com atividades suspensas e deve ser retomado nos próximos dias.
A nomeação de um novo primeiro-ministro francês foi fortemente criticada pela esquerda, que já convocou protestos contra a decisão.
Em comunicado, o Partido Socialista, um dos integrantes do bloco da esquerda, afirmou que a escolha de Macron "não tem legitimidade política" e foi uma decisão "de extrema gravidade".
"Macron deteriorou um pouco mais a democracia com isso. Ao recursar designar um nome da Nova Frente Popular (de esquerda), que ficou à frente das eleições legislativas, Emmanuel Macron está virando a página de uma tradição republicana compartilhada e respeitada até hoje em nosso país", diz o comunicado.
O líder do bloco esquerdista, Jean-Luc Melénchon, convocou uma manifestação para o dia 7 de setembro contra a nomeação do novo primeiro-ministro.
Na semana passada, Macron foi chamado de "autocrata" pela esquerda francesa ao rejeitar o nome sugerido pelo bloco vencedor. O presidente argumentou que a sugestão do bloco esquerdista atendia apenas aos interesses deles próprios.
Manobras de Macron
Ao nomear um aliado para chefiar o governo francês junto dele, Emmanuel Macron fez sua segunda manobra política do ano para se manter no poder. A primeira foi em junho, quando dissolveu o Parlamento e convocou um novo pleito.
Pelo sistema político da França, semipresidencialista, os eleitores elegem os partidos que vão compor o Parlamento.
A sigla ou a coalizão que obtiver mais votos indica então o primeiro-ministro, que, no país europeu, governa em conjunto com o presidente -- este eleito em eleições presidenciais diretas e separadas das legislativas e que, na prática, é quem ganha mais protagonismo à frente do governo.
Caso o presidente e o primeiro-ministro sejam de partidos políticos diferentes, a França entraria em um chamado governo de "coabitação", o que ocorreu apenas três vezes na história do país europeu.
Nesse caso, o premiê assume as funções de comandar o governo internamente, propondo, por exemplo, quem serão os ministros. Já o presidente mantém o papel de chefe de Estado e da política externa — a Constituição diz que ele negocia também tratados internacionais—, mas perderia o poder de definir a política doméstica e de nomear ministros, o que ficaria a cargo do primeiro-ministro.