Talvez o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza da pessoa física seja um dos mais conhecidos no Brasil, seja pelo fato de a maior parte dos cidadãos serem contribuintes, seja pela grande quantidade de notícias veiculadas sobre ele.
Não faltam críticas e insatisfações populares. Com qualquer pessoa que se converse, percebe-se que a sensação é sempre a mesma: pagamos além do que podemos, pois não podemos deduzir tudo o que gastamos.
O imposto sobre a renda da pessoa física nos desafia a investigar capacidade contributiva, conceito de renda, limites para fixação das despesas dedutíveis e mínimo indispensável. Pensar sobre a dignidade da pessoa humana e suas necessidades básicas, tais como educação, saúde, alimentação, moradia, transporte e lazer.
Mesmo passado um século da sua existência no Brasil, o imposto ainda continua complexo. O tema é antigo, mas continua desafiador e dinâmico, pois as relações sociais mudam e com elas mudam as necessidades básicas do ser humano.
Ainda que não expressamente, a Constituição Federal informa o conceito de renda. Partindo do conceito constitucional de renda, a incidência do imposto poderá ocorrer somente sobre aquilo que se revelar como acréscimo patrimonial, sendo que somente podemos considerar a existência deste quando (i) preservado o “mínimo indispensável” e (ii) deduzidas as despesas necessárias para a obtenção dos ganhos ou rendimentos.
Assim, as deduções fazem parte do conceito constitucional de renda, pois elas delimitam o que pode ser tributado pelo imposto, uma vez que chegamos ao acréscimo patrimonial deduzindo, dos rendimentos, as despesas necessárias para a manutenção da fonte produtora.
Em outras palavras, a tributação da renda não pode alcançar parte dos ganhos ou rendimentos que, pela “ação” das despesas dedutíveis, são preservados para a manutenção da fonte produtora.
Quando a legislação trata da dedução de filhos e enteados, autoriza que o contribuinte considere os que possuem até 21 anos e até 24 anos de idade, desde que estejam cursando estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau. Para a legislação, o maior de 21 anos ou de 24 anos, após terminar a faculdade ou curso técnico, já não possuem mais a necessidade de depender dos pais.
Entretanto, ao enfrentar a questão do filho ou enteado com necessidade especial, maior de 21 anos e que trabalhe, o Supremo Tribunal Federal adotou entendimento diverso. Embasado nos direitos fundamentais de pessoais vulneráveis e no princípio da capacidade contributiva, o Tribunal interpretou que eles ainda possuem relação de dependência com seus pais, ainda que trabalhem e recebam remuneração.
Vale aqui transcrever parte do Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.583/DF, relatada pelo Ministro Marco Aurélio e Acórdão redigido pelo Ministro Roberto Barroso:
[…]
6. Violação do conceito constitucional de renda e da capacidade contributiva (arts. 153, III, e 145, § 1º, da CF/1988). Ao adotar como critério para a perda da dependência a capacidade para o trabalho, a norma questionada presume o que normalmente acontece: o então dependente passa a arcar com as suas próprias despesas, sem mais representar um ônus financeiro para os seus genitores ou responsáveis. Todavia, não é o que ocorre, como regra, com aqueles que possuem alguém com deficiência, sobretudo grave, na família. Nesse caso, justifica-se a diminuição da base de cálculo do imposto, para que não incida sobre valores que não representam verdadeiro acréscimo patrimonial.
[…]
Partindo de uma análise da incidência do imposto sobre a renda sob o aspecto da capacidade contributiva subjetiva, o Tribunal permitiu que o contribuinte continue a declarar como dependente o filho ou enteado com deficiência, mesmo que maior de 21 anos e capacitado para o trabalho, desde que sua remuneração não exceda os limites das deduções.
Lembramos que em relação aos dependentes, a legislação permite a dedução da quantia de R$ 2.725,08 ano, ou seja, R$ 189,59 mensais, por dependente, tenha ele necessidades especiais ou não.
É claro que, se para um filho que não possua necessidades especiais, pensamos ser muito difícil de suportar, com este valor mensal, despesas relativas à alimentação, vestuário, higiene e lazer, quanto mais para um filho que demande ainda mais cuidados.
Porém, ainda que o valor continue não sendo significativo, entendemos que esta decisão seja um passo à frente quando tratamos do imposto sobre a renda da pessoa física.
É que, ao invocar, como razão de decidir, o conceito constitucional de renda e acréscimo patrimonial, o Supremo Tribunal Federal volta o seu olhar para o maior problema da tributação da renda da renda no Brasil: o desrespeito do legislador ao princípio da capacidade contributiva, que, tendo à sua frente todas as informações sobre exato contexto econômico e social do país, insiste em não o observar.
É fato que a realização de qualquer princípio jurídico depende, em muito, do nível de desenvolvimento cultural do povo, bem como, do interesse dos cidadãos em defender seus direitos. Pensamos que, no Brasil, a construção do Direito com base no princípio da capacidade contributiva ainda é muito tímida tanto pelo legislador como pelo aplicador da norma jurídica.
Portanto, esperamos que muitas outras decisões como essa sejam tomadas pelos Tribunais. Será um sinal que estamos amadurecendo como Sociedade.